01 agosto, 2009

Qualquer coisa

Eu estava lá, parado e sentado. Ela chegou, tocou meu braço - desculpa daquele dia. Que bom, ela superou o "desculpa qualquer coisa". Sempre tinha uma qualquer coisa pra ela se desculpar. Mas só eu sabia quais eram os quaisqueres. Ela não, a imponente. Só eu conhecia o fundo, só eu. Eu, o impotente. Derretendo as lágrimas na mesa da cozinha enquanto esperava a menina voltar. Ela era um bebê quando olhei pra ela e soube que amor é sofrimento. Ela era só minha quando eu descobri que ela era do mundo inteiro. E eu, por mais pai que fosse, não poderia leva-la ao mundo segurando suas mãos como eu a levei à escola no primeiro dia de aula. A mãozinha dela cresceu e meus cabelos brancos também. E ela lá, toda menina ainda, mas ninguém via. Ninguém via - ele é gente boa, não esquenta- não esquento. Mentira. Olhos dissimulados, minha linda. Não é ciúmes de pai. Não era. Não era pra ser com você, não era pra ser com menina nenhuma porque o que eu sinto nenhum pai poderia. Doía seu - ah, quanta encanação... pára de pegar no meu pé - o mundo é tão grande, e as pessoas tão más. Mas se eu falasse assim você riria. Nunca li histórias pra você dormir, e esse palavreado te chatearia ou divertiria, dependendo do seu humor. Mas a sério você não levaria. Eu falava, falava. E secava... Eu sentado e parado. Achei que fosse você tocando meu braço mas não seria. Você só se desculpava por "qualquer coisa", minha menina. Esperança de pai que você crescesse mais no juízo do que no corpo que atraía aquele. Antes de tudo cheguei a pedir a Deus que você ficasse coxa pra que ele sumisse. Me arrependi depois. E depois de tudo pedi a Deus que ele definhasse - pai, olha só eu voando - você no balanço do parquinho, os cabelinhos cacheados no ar, pra lá e pra cá - pai, olha só se eu não sou desenhista - é sim, era sim, das melhores do mundo - olha lá, eu vou ser aeromoça, voar pra sempre - tão arriscado! ah, seja o que você quiser - então, to de bode hoje, não vou pra aula - e a dor começando, e a angústia chegando e tomando conta da casa e das suas bonecas abandonadas, gritantes, suplicantes pela menina que você foi. Ele chegando, você saindo, você chegando tarde. Ele sumido, você sumindo, você voltando bêbada, você cheirando mal, eu te dando banho enquanto você gritava comigo. Você drogada. E eu definhando. Ele sumido e você sumindo, você sendo tragada pelo mundo porque eu não te levei com as mãos dadas nas minhas. Minha menina. Eu andando a noite toda na chuva, você sumida. Pessoas drogadas, você sumida. Você voltando pra casa três dias depois toda roxa. Indo pro banho depois de pedir desculpa por qualquer coisa. Você de vestido rosa no dia do seu aniversário. Você rindo dos palhaços. Você toda roxa. Você andando até mim de braços abertos quando eu te dei um gato. Você caída no chão e não me reconhecendo. Você chorando por ele. Você bebendo. Você fumando. Você apagando o cigarro no sofá. Você apagando o cigarro na minha cara. Você, a minha menina - Pai, me leva no balanço- seus cabelos pra lá e pra cá. Minha menina. Voando 9 andares até chegar ao chão. Os cabelinhos cacheados no ar, seus piercings pelo ar, seus braços pelo ar. E eu. Eu. Sentado. Parado. Sumindo.
Definhando. Tocando seu braço - pai, olha eu voando.

Um comentário:

vozdoblog disse...

Massa...

Posta aquelas coisas sobre o mercado
Fecha o mercado
toma o vinho
''Jesus Além'' Viagem Viagem

rsrsrs.
abraço Ná..

PS: q bom q vc ta escrevendo... bjo