28 setembro, 2009

começar e

É fácil demais começar. Sabe aquele impulso, aquele arrepio na barriga, aquela cabeça cheia de ideia? Cabeça fervilha enquanto os olhos se distraem em qualquer pouco movimento que se faça. É assim: uma cabeça cheia de ideias e um impulso. Depois manter todo aquele fervor inicial é um desafio pra todo o dia, todos os dias. É olhar pra cenas cotidianas à espera de algo. E geralmente consegue - incrível, mas o convívio com o mundo ainda inspira. Depois manter toda aquela observação apurada é um desafio pra todo o dia, todos os dias. É acordar e tomar café pra esperar por algo, alguém, alguma notícia. Qualquer coisa que alegre. Qualquer coisa que provoque. Geralmente consegue. Fica-se - ou faz-se - feliz com pouco. Mas manter aquela felicidade toda cansa e se torna um desafio para todo o dia, todos os dias. Então procura outras inspirações em algo que entristeça. A dor passa a ser o próprio remédio da doença. Dor dilacerante e confortante. Mas, depois, manter todo aquele sofrimento, aquele pesar com o mundo se torna um desafio para todo o dia, todos os dias.
Irritante. É aí que ele sai daquela lama toda e vai viver ao invés de escrever.

25 setembro, 2009

gol

Se você ganhasse um assim ó, me daria umas coisas da feira e um dinheiro pra uma sopa pramanhã. dá? Vai chegar cansado, sopa boa, mas não adiantava falar que ele teimava em ver o fla flu em cima da mesinha. Saco. E eu ainda me perguntava da dor no pescoço, deve ser o travesseiro, bem. tá velho, vê? Gol! Viu nada, viu nada sempre. Falo da janta, feijão do jeito que você gosta. mas ele pega só os bifes durante o intervalo pro segundo tempo e faz uma porção apimentada, estilo buteco, que ele me xinga de não ir. feijão esfria e fica pra mim. comer sozinha, e sem mistura.
recolher as roupas do lado da privada, onde já se viu. Parece um porco. Quando a gente era novo, olha que bonito gente: vestidinho verde e ele de camisa branca. A barba eu gostava, era charme. Agora. Porco. Me dava flor de laranjeira antes: olha só que bonito, vê? Ele me amaldiçoa porque fizeram gol, porque meu bem? Gol. Ah. Falta o que? Empurrão de homem no campo é falta. Falta de vergonha, falta do que fazer, só pode. Deixa pra lá esse porco. Fazer o que? Casei na igreja, não sou mulher de chilique. Fazer o que? só se eu fizesse gol pra ele olhar mesmo em mim.

24 setembro, 2009

dia de

O problema é que eu não estava preparada para tanto. Tanta bebida, tanta comida, tanta roupa a menos. Esqueci de me pentear, tomar o vermelho depois do jantar e uma dose de vodca a menos, pra contrariar.
Era dia de alegria, alguém dizia. E eu fumava um cigarro enquanto almoçava meu shake emagrecedor com 21 vitaminas. Coisa da tia gorda de minas, ao som da Janis, que é pra ficar mais clichê. Era dia da alegria e eu não via, nem tinha. Que era um dia comum de pessoas felizes comuns. Era uma janela, uma mulher desgrenhada e viva, tomando shake no liquidificador porque todos os copos estavam sujos. Que era a cama desgrenhada.
Era o dia de alegria
E o bairro fedendo churrasco ao som de Bezerra da Silva.

22 setembro, 2009

era sede

Brigavam, batiam-se. Era pura sensualidade aqueles dois. Batiam-se. Ela colocava pimenta no arroz dele, ele guardava toalha molhada no travesseiro dela. Era um fervor, uma fúria. Os dois, um sem o outro, eram pouca coisa. Um risinho bonito ali, umas mãos carinhosas lá. Mas juntos eram sede. Fome e pouca comida pra tanto.
Brigavam e batiam-se. Depois apaixonavam-se um pela carne do outro e amavam-se tête-a-tête. Era de uma fúria vitoriosa para os dias de hoje. Era fome de carne um do outro.

cuti cuti

que formoso!
fala de coração, amor, um campo cheio de flores e umas coisas coloridas/cheirosas/macias. Todo harmonioso.
Olha que coisa mais linda! Encaixado, pomposo.
Poema é coisa fofa, não?

Não.
- Cade o * , estou com saudades de ler.
- Estou escrevendo em um lugar mais escondido.
- Sério?
- Quero voltar a escrever por paixão. Eu sei que você me entende...
- Sei como é. Pra se sentir livre.
- É complicado, quando eu sei que certas pessoas estão lendo, fico amarrado. Eu não quero mais isso. Quero ser livre, pelo menos no meu blog.

21 setembro, 2009

ó que bonito

"a tua presença entra pelos sete buracos da minha cabeça"
(A tua presença - Caetano Veloso)

18 setembro, 2009

como os outros

Como todos os outros, eles tentaram ir a novos restaurantes e novos motéis. Mas ela ficava desconfortável, preocupada em agradar, e ele se chateava. Tentaram trepar em lugares públicos, o cúmulo depois que pensaram sobre. Era desespero. Era por desespero que se obrigavam a preocupar-se um com o outro. Início de fim, ele disse pra si mesmo quando o pau não subiu e ele teve vergonha de dizer que naquela noite não dava. Ela também nem estava molhada, ele não notou. Antes. Antes o pau era duro, ela molhada e ele não tinha vergonha de falar que não queria naquela noite, ela entendia: beijinho e dormir abraçado.
Tiveram amantes, mais ela do que ele, mas piorou. Ambos, separadamente, notaram que estavam se apaixonando pelos amantes e a intenção era temperar o casamento. Isso existe? Pra personagem tudo existe. Depois, então, o divórcio saiu rápido porque não tinham filhos, que sorte. Ela emagreceu, ele aprendeu a dançar. Casaram. Ela com a Ana, ele com a Julia. E foram amantes um do outro.

17 setembro, 2009

quando vai acontecer a ida, vista de lá pra cá?
quantas vezes você lembrou daquilo hoje?

16 setembro, 2009

setemeiadeus.amém.
só dois. só dois minutos para odiar. é tempo suficiente.

Carne Crua

Eu comeria sua carne, comeria lentamente depois de te amolecer na minha saliva. fazer você mole, carne mole e crua
carne sua nua, sensualmente temperada de suor e hormônio à flor . flor ou fruta, eu desfruto.

comer
deglutir
escorrer entre os lábios
grossos sorridentes frescos
lamber os lados, os cantos,
os vincos da boca gorda e rosa
sorridente escorre bacanal
escarnando dor deliciosamente
bem feita
bem proveita
bem gozada

15 setembro, 2009

inventa que venta

balança, pende
cai e volta
verte o movimento
reverte o sentido
inventa que pensa
sente, senta e vai outra vez
brinca com o brilho e sem
querer
brilha

renomado

ele era bem novinho quando seu pai lhe deu uma surra e um castigo de uma semana, e assim por acaso, como quem não quer nada, ouviu todos os discos da mãe, que nem mais a mãe ouvia, da Ella Fitzgerald. Leu várias Clarices e outros sobre a história da segunda e outras guerras. Leu um de como desenhar com o lado direito do cérebro que só foi entender quando fez curso de desenho em uma renomada. Foi por causa do castigo que hoje ele tem várias crises de meia e inteira ou quase toda idade, não por culpa direta do castigo, mas dos discos, livros, do desenho e de hoje ele ser um renomado. Ele nunca entendeu o conceito de renomado.

14 setembro, 2009

posta restante

Fiquei tão longe esse fim de semana, desculpa. Antes que você precise me procurar para perguntar, já que eu nunca falo, te digo que não é culpa sua nem tem algo da devolução que fiz. É que ando ansiosa/preocupada/puta da vida com alguma coisa que não sei bem o que é. Seria mais fácil se eu acreditasse em inferno astral ou no clichê da crise de pessoas de personalidade. Ou em "era mais fácil quando eu não precisava me preocupar em ser mulher". Mas, bem. Deu um peso na cabeça hoje de manhã quando eu vi seu recado de quinta feira. A noite prometo de dar um abraço de "sorry" para ver você "sorryndo". Ou não, porque essa piada já perdeu a graça. Mas, enfim, bom dia chuvoso a você.

sono leve

Aperta o despertador, como se sufocando ele parasse de gritar. Não pára. Acerta o botão certo e volta a dormir. Sono leve na cama com cheiro de verdade. Sono leve na cama sem mais aquele cheiro de sonho. Sono leve só.
Despertador esperando a hora de gritar enquanto ela geme. Ela revirando o cobertor desnecessário pelo calor das 10 da manhã do dia da alegria de segunda feira. Chuta algumas roupas no pé da cama e espera a hora do despertador gritar. Alguém ri lá fora, deve ser a tia da limpeza. Esqueceu de lhe oferecer café hoje, porque nem fez, apertou o botão do despertador e gemeu. Chutou uns nadas na cama e caiu num sono leve, que permitia ouvir a risada lá fora. Alguém gritando alguma coisa sobre o almoço e um cheiro de bife com queijo muito pesado no sono leve dela. Sorri de modo tão leve que nem percebe, nem vai almoçar comida pesada entrando no corpo leve dela. Joga o cobertor no chão e lembra da piada feita sobre ele na noite anterior. Ela já não espera mais, ou espera mais agora já que se fez feito o que queria. Mas o despertador ainda espera. Espera.

10 setembro, 2009

só pra Ela

Ela secretamente não tinha apreço pelo romantismo, mas quando Ele subiu a escadaria do seu prédio encharcado pela chuva daquele domingo de manhã para lhe devolver o Leminski, Ela não pôde sentir nada menos que um carinho morno que subia do estômago até as faces e a fez lembrar de engolir a saliva. Foi aí que percebeu, sua boca estava seca e era tarde demais para repensar a aproximação que ambos se tinham permitido. Pensou em sã consciência: merda.

Ela não era dada às cores rosas que a vida propunha, nem aos grandes clássicos escritores. Gostava do Bukowski, o velho safado, da geração beat e dos poetas malditos. Sabia que ser uma mulher culta e gostar de tais escritores eram fatos que, para muitos, não se acompanhavam. Mas Ela não se importava. Não pelo cinismo dos jovens que dizem não achar necessária a aceitação do outro para aceitarem a si mesmos. Já que deste modo, cínico, eles buscam ser aceitos pelos descolados adeptos do "foda-se". NEla era verdadeira a desimportância com o senso comum, para o qual uma pessoa pensante não pode gostar de alguma música popular, de Bukowski ou Tropa de Elite.

Seus textos eram muitas vezes inocentemente escatológicos e escondiam seus medos, pudores, excitações, paixões e suas histórias, amores e ilusões, críticas e sugestões. Dissolvidos engenhosamente em seus personagens, vezes pela dificuldade de falar de si, vezes pelo fato de usar o "Ela" e "Ele" ser mais bonito esteticamente do que usar nomes próprios. O uso da primeira pessoa cria a primeira pessoa que lhe apontaria um dedo e ela poupava-se disso. Afinal, os textos eram dEla e neles Ela podia exercer seu poder de ser egoísta. E eles não precisavam de nome, qualquer excêntrico personagem pode ficar ridículo ao autor se chamar-lo de João ou Frederico. Ela gostava do poema cru e achava o dos novos baianos "se eu não tivesse com afta eu até faria uma serenata pra ela" a expressão mais puramente romântica. O resto era encher linguiça.

Mas naquele dia a chuva lhe trouxe Ele e o sentimento e o livro de Pablo Neruda. O poema da rosa de sal Ela pediria para Ele lhe recitar ainda por muitos dias, chuvosos, frios e quentes ou feitos quentes debaixo do cobertor, pra dizer assim no ouvido, baixinho e só pra Ela. E Ela escreveu, escrevia, escreve. Sempre ouvindo repetidamente alguma música sem deixar explícito. Depois da devolução do Leminski Ela escreveu histórias ao som de "Suburbano Coração", do Chico, encantada com a sonoridade e signo da letra encaixada em uma melodia confortável. Ela se sentia confortável porque a música era feita pra Ela, era dEla naquele momento. Era o belo sem ser rosa, o isento de virar roteiro de novela. Era ela colorida e sem vergonha. Ela virando no sofá, sofá virando cama. Pela primeira vez se deu conta que não era possível passar impune pela paixão das coisas que se encaixam nos defeitos dEla.
Papéis se romperam em palavras mudas:
...
... ,
...
Cheios de entrelinhas
Cheios de vida
Nasalados,
...
... !
...
Era o que Ela queria achar nas vidas alheias.
...
E assim foi secretamente, durante o tempo em que não era preciso se preocupar com literatura.

08 setembro, 2009

pelo direito das xoxotas

Acredito que toda xoxota tenha direito de vir sem lacre em embalagens de amostra grátis. Colocar a xoxota em vidros de palmito para dificultar seu acesso não é de forma alguma uma demonstração de respeito à ela, ao contrário: é uma forma de cultuar os braços fortes que as abram, compreende?
O falso culto excessivo à xoxota além de causar sua desvalorização, provoca queda do usufruto de um bem tão precioso. Veja bem, um bem precioso e tão comerciável não deve ser colocado na última prateleira, e sim nas gôndolas de guloseimas que ficam próximas ao caixa.
A elasticidade e a adaptatividade das xoxotas já comprovaram sua possibilidade de acesso a ambientes inflamáveis, infláveis, escorregadios e pontiagudos. Enfim, a xoxota no futuro fornecerá matéria prima para foguetes, caixas pretas e chicletes.
Portanto defendo também seu asseio completo, estrutural e emocional, para que ela execute fidedgnamente seus potenciais e assim auxiliar na salvação de nosso planeta. É claro, por meio salvação dos seres e suas próprias capacidades, potencializando suas execuções de encaixe e adaptação que culminam com o alcance do inteligível.

06 setembro, 2009

Frase do dia

" Trouxa raleia mas não acaba "

sabedoria popular rules!

05 setembro, 2009

Deixa lá

Ela atravessa minha rua
com duas cervejas nas mãos
me arrepia o estômago
a gente sabe o por quê
bebe minha tequila
entope meus ralos
deixa farelos na mesa
irrita meu gato
esquece o despertador
enquanto ronca
calma e profunda
deixa seu perfume
no ar como se fosse dela
a casa e a cama
deixa a si mesma
seis pratos
seus pedaços
seus rastros
seus trapos
seus passos
seus traços

na casa, no gato e no dono

03 setembro, 2009

tanto nem tanto

Antes o amor era bonito
Antes amor era forte
hoje a gente nem tanto

02 setembro, 2009

Um real

Nossa, uma nota de um real! Só se via moedas de um real por esses tempos. Uma nota. Marcou a infância de muita gente aquela notinha verde e foi triste trocar tudo por moeda, moeda enchendo carteira, enchendo a bolsa, enchendo o saco e tudo mais. E aquela nota era especial pra ele, mostraria ao neto. Há muito tempo o um real era de papel. Sério ? Não acredito. Era. Agora ele tinha encontrado uma nota de um real. Dia ganho. Nunca ganhar um real em um dia tinha sido tão bom. Mas na esquina da 1ª de Março com a Prudente de Moraes um rapaz magrelo apareceu e queria tudo. A carteira toda, o celular que ele não tinha e também o um real que ele tinha. Mas era de papel e não vale, ele não entendia. É tudo um real. Mas não vale mais, não vale nada. Passa mesmo assim, é pra passar tudo, véio. Ele queria conversar e salvar a nota pelo menos. O resto todo podia, sem problema. Era pelo neto, por favor. Não. Coisa de véio essa de juntar quinquilharia, passa tudo e cala a boca. Não, por favor.
Várias facadas no bucho, até que nunca mais se falou disso.