27 julho, 2008

Um bilhete para Didi

Didi, minha preta. Põe os lencóis da cama no varal, pode botá flor na casa toda. Lava aquele vestido amarelinho de chita que cê tem e que te deixa tão gostosa. Deixa o cabelo bem solto, até embaraçado pra que eu enrrosque os dedos mais fácil, e puxe pra te fazer me xingar.

Cê sabe que nessas andanças da vida, a gente acaba perdendo as rédeas... Mas é no seu quintal que eu sempre arrego de vez minha carroça. Eu me sinto tão em casa com você dizendo que não tá nem aí, que eu que me dane e estrupie todo, porque você já avisou tudo o que dava, mas eu não tenho jeito. E cê sempre tá lá pra me dar outra bronca. E dinovo, e outra vez.Gosto de ver toda a tua dureza desfeita no meu colo, quando eu falomanso e finjo que mudei. Mas tu é tão esperta que as vezes eu acho que é você que se finge de mole. Cê sabe bem o bicho que criou, né nega?

Eu to chegando assim que vier a lua nova. Coloca uma placa na porta pra que ninguém encha nosso pacová. Como vai estar calor por demais, deixa meu bermudão, aquele que você não gosta, fora do armário que é nele que eu vou me enfiar. Tira qualquer objeto pontudo de cima da mesa da cozinha, pois é lá que eu quero te espalhar... e me faz aquele feijão que eu adoro.
Ahh! Faz também aquela cara de dona-de-casa-de-saco-cheio que eu acho linda.
Não lava demais as mãos, que eu quero sentir o cheiro de tempero misturado com sabão em pó que elas têm.

Faça tudo isso mas não me espere. Quero te pegar de jeito, do meu jeito meio desavisado.

Um chêro
teu preto

16 julho, 2008

A partida

Partiu de lá, sem partir qualquer coração, sem quebrar qualquer expectativa. A cabeça meio curvada para o lado pelo peso da única sacola que levava. Sacola velha que fedia mais que ele.
Cansara daquela terra que só lhe trazia poeira. Da casa que só lhe dava sombra. Da esteira que só lhe dava um descanso surdo e entorpecido pelo calor.
Seu abatimento era indisfarçável. Não que tentasse...Já tinha perdido a mania dessas convenções de manter aparências. Entre ele e o mundo todo havia um vale, um buraco que o sol não conseguia mostrar até onde chegaria. Partiu para tentar construir sua ponte até o outro lado. O mundo estava lá e ali ele era tão volátil que não era difícil querer ir embora.
Quebrou a imagem do seu santo e matou sua fé. Essas coisas seguram a gente de forma subliminar, e nessas horas não se deve correr esses riscos.
Pensou em deixar uma carta despedida, mas lhe faltaria destinatário merecedor de tamanha eloqüência. Pensou em pagar a conta, mas lhe faltou algum passatempo que lhe desse gasto.
A saudade já lhe tinha sido trepadeira da cerca coração. Agora a vontade fazia uma fenda cor de fogo no medo, e no costume.
Com um anti brilho nos olhos desmarejados. O antes brilho do seu lugar agora transbordava pena e um gosto pálido. Estava preso a uma tenda cheia de janelas. E quase sabia por qual sair.
Foi, porque ele ainda não tinha sido.