28 outubro, 2009

encostou os bigodes nas cartas e apostou mais duas fichas.
- Mais um vermute - adiantou-se à menina de saia que passava mais rápida que os olhos dos outros apostadores uns nos outros.
Um deles era Argentino, o que dava àquela mesa um ar de desconfiança desigual.
O mais moço sentia o suor descer pelas costas e molhar a ponta da cueca, e balançava-se na cadeira para secar as costas na camisa.
O mais velho coçava os olhos que acabavam de ser dispertos.
Não percebia nada o de óculos, que olhava os seios acesos da menina de saia.
Hoje era o dia de sorte de todos eles.

24 outubro, 2009

Vinho e carta

abri o vinho

depois a carta

linda letra

tinto seco

terminei a garrafa

mandei a carta

devidamente amassada

ao raio que a parta



não sou dado a paixões etílicas



22 outubro, 2009

à mo

espaço e tempo me confundem

nesse ir e vir de mim nas horas

portanto

ex-passo o tempo

20 outubro, 2009

0e30

escorrega o lençol entre as pernas, aperta botões que quase não sabe, luz na cara, gosto na boca. Abre os olhos, fechassim é melhor. Acaricia o travesseiro pra esconder um sorriso. Tenta parar de pensar em coisas boas, como se o metapensamento não fosse só um método de se permitir pensar.

18 outubro, 2009

questão de espaçovírgula

Ana saiu do mar é assim, metricamente

Ana se foi com a maré, assimetricamente

15 outubro, 2009

Homo não sapiens

o homem sapiens sabe
da histérica capacidade que tem

a de levar do chão, ainda que sem asas
a si e seus objetos para cima
e a dos poetas, histéricos babacas
a de transformar amor em rima

12 outubro, 2009

me veio que:


O que sou eu

senão eu

sendo o tempo todo?


(noção de si que em si não ajuda, mas fortalece a importância do criticado gerúndio.)

11 outubro, 2009

Da teoria

Três horas depois ele se deu conta de que tinha esquecido o motivo da conversa. Perdeu-se no caminho assim que o barbudo da cadeira do canto esquerdo lhe questionou o motivo de toda teoria. Não havia, ele sabia.Mas pensava que quando a teoria é boa ela se vale da beleza da auto criação. O barbudo do canto esquerdo convenceu os outros doze, barbudos ou não, e ele teve apenas mais quarenta minutos para se explicar. Insuficientes, já que explicar motivos requer mais intensidade dialética que explicar o fato em si. Ele decidiu, então, deixar a barba crescer, porque questionar os motivos dos outros requer menos tempo e intensidade dialética do que criar e ter motivos.

08 outubro, 2009

Chá de cacto

Hoje de manhã ela estava tomando café e conversando com seu cacto. Ambos os três ouviam novos baianos. Ele - a planta - , concluiu e ela teve que concordar: aquela manhã nublada foi uma das mais ensolaradas da semana.
Com cacto não se discute.

07 outubro, 2009

Ah. O sabor colorido. Alguém em sã consciência viveria sem?

05 outubro, 2009

Cana

a causa do meu problema
é que aquilo fica ainda mais bacana
com um pouco de cana
uma falta da cama
e uma sobra de distância

02 outubro, 2009

(...)

Por vários dias vi o mesmo aviso. Fechado para balanço. E eu me perguntava que tipo de economia tinha aquele moquifo para balançar tanto. Mortadelas davam tanto dinheiro? Pão dormido? Aquele pão era um soco no meu estômago toda a manhã, fato. Aquele olhar do portuga que me atendia outro passaporte para um dia mau humorado como o portuga, o dia todo. O que não era bom, pois eu trabalhava com público - vendedora? - Não, eu dizia. Atriz. - e trabalha? - Sim, sou, além de atriz, professora - E trabalha?.

Não as pessoas não perguntavam pela segunda vez, mas o olhar era de pleno questionamento. Olha só que inteligente, dizia minha mãe. Tão inteligente que escolhi ser professora e depois me escolheram para ser atriz. Duas profissões que não são vistas como. Azar o meu. Azar o meu o olhar do portuga encher meu dia de raiva com meus alunos que não aprendiam a divisão por números inteiros e com o meu diretor que sempre pedia "mais emoção, mais alegria". Alegria é o caralho! Não, eu não chegava a dizer, mas meu olhar era pleno vai tomar no cu. Por isso comecei a fazer papel de vilãs e achei o máximo. Meu sonho, minha plenitude.
Tudo culpa do portuga. E logo semana passada, quando decidi agradece-lo pelo prêmio que recebi pela minha melhor vilã, ele se fecha pra balanço. Ao menos eu havia sido premiada enquanto ele fazia continhas na calculadora, no centro de um amontoado de livros amarelos que contabilizavam desde e a época do cruzado. Continhas que meus alunos não sabiam fazer. Imaginar a cena do portuga amanhecido com as continhas, no meio da padaria, da mortadela e do pão também amanhecido, enquanto eu olhava a placa mal escrita a caneta bic; era uma vingança deleitosa por todos aqueles anos e mau humor que ele me causava.
(...)

01 outubro, 2009

P e Lo

pelo que ri, sorrio

pêlo que eriça, arrepio