29 março, 2010

Ao vaso, desparnasianamente.

Se fosse possível te descrever, já assim, seria necessário inventar palavras.
Estas, por sua vez, não caberiam em métricas velhas, nem nas novas.
Nem em qualquer uma que exista.

Teria que ser sensível, quase o frio ser tão leve que derreta o gelo.
Seria carnal, como quando minhas mãos espremem-se entre as pernas.

Mas tudo no silêncio. Pontuado por linhas em branco.
pra que você ouça. pra que você leia.

26 março, 2010

Oferecimento

Oferecer-se de presente para o futuro,
ou oferecer-se futuramente para o presente?

Tanto faz, desde que te aceitem?


Foda-se
Se não aceitar, vai pernas e braços
todos goela abaixo.

22 março, 2010

Caneca laranja

Uma caneca laranja não é só uma caneca laranja.
Pode ser uma caneca só, que espera uma cerveja.
Ou a caneca de alguém só que espera uma cerveja.
Ou a caneca de alguém só que espera alguém para uma cerveja.
Ou a caneca que é só de alguém, mas gostaria de ser só de duas. Ou três, nesses tempos modernos.
Ou uma caneca que é de alguém mas preferia estar só. Então se perde no restaurante ou na festa, enquanto o dono se aconchega a um qualquer.
Ou uma caneca seca. De alguém que vive na seca, seja ela de água ou de sexo.
A caneca laranja pode ser cheia de laranja, laranjada ou limão. Ou caipirinha.
Ou veneno,
seja ele rápido, ou como a cachaça, lento.

(causado pela Hilde e o Filippe)

14 março, 2010

O homem

Entrava sempre tirando os olhos da rua. Quando o primeiro pé se colocava no degrau os olhos se voltavam para dentro e as mãos buscavam tirar o chapéu da cabeça, por educação.
Sorria: - bom dia!
Bom dia, eu dizia.
Passos lentos e musicais traziam aquele corpo quadrado, como o corpo de um homem deve ser, para mais perto do balcão. As calças formavam vincos lindos em torno das pernas. A pele do rosto formava vincos lindos no rosto. Serenidade.
Pousava o chapéu e a mão direita no balcão. A imagem mais linda de mão que guardo é a dele. Pedia uma branca, e livre do peso do pedido, sentava-se enfim. O braço esquerdo se colocava a partir da metade, pois dizia que cotovelo em balcão era falta de educação. Perguntava o resultado do bicho de hoje, que eu nunca sabia. Depois de sorrir: sorte sua; com a voz que depois identifiquei tão rouca quanto a de Adoniran, quando o conheci.
Bebia a branca sem fazer careta. Por várias vezes me apaixonei pela classe com que ele bebia a dita cuja. Por muitas vezes me apaixonei pelo olhar que ele lançava no céu antes de fazer a previsão que ninguém faria tão correta. Quando trazia laranjas sujas de barro eu me sentia cortejada e adorada como as mulheres do tempo dele. Chamava-me santinha, antes mesmo de eu saber o que eram santos, mesmo já ter sido batizada: injustiça que se fazem com as crianças quem nem podem se permitir fé.
Chorou quando peguei catapora e me deu chinelos velhos para que eu pudesse andar confortavelmente com as bolhas da doença nos pés.
Afastava os babacas que me cortejavam sem rodeios.
Cantava "Prato do dia" do Tião e do Pardinho; eu me magoava. Para ele paixão era falta de educação. Homem que se honre se casava e fazia filhos às escuras, sem ter certeza se a mulher estava acordada ou não.
Este foi o homem que, se não fosse analfabeto, seria um decassílabo.
Quando mais tarde descobri de verdade o que era paixão, descobri também que mais nova ainda, por ele, soube o que era admiração.

10 março, 2010

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Enquanto isso, Adoniranizando minhas ideias.