29 janeiro, 2009

Escrituras - Jorge Lescano

ESCRITURAS

Para Nádia Stevanato

A escrita é uma atividade estranha, não raro, melancólica como o murmúrio de um louco. Quando se finaliza um texto e já pode ser lido como se fosse alheio, o leitor começa a perceber o que realmente fez: aqui, esta informação é auto-referente, ali, essa frase exige ponto final e novo parágrafo, lá, aquele conceito deve ser substituído por metáfora. Ao ler, começa a reescrever o texto, ou melhor, já está escrevendo o próximo.
Em entrevista, Ítalo Calvino disse: Costumo andar com uma idéia na cabeça durante anos antes de decidir-me a dar-lhe forma no papel, e muitas vezes nesta espera deixo-a morrer. Para começar a escrever alguma coisa preciso sempre de um esforço de vontade, porque sei que me espera a fadiga e a insatisfação de tentar e voltar a tentar, de corrigir e de reescrever.
De minha parte, vivo anotando frases em papéis soltos que fatalmente se perdem. Não sinto qualquer prejuízo ou remorso por isso. Acredito que se a idéia é boa, voltará, se não for, valia a pena tê-la anotado?
James Joyce pensava que sempre se escreve para um "outro eu". Um duplo de nossas ansiedades, pretensões e incapacidades, suponho. Este duplo sabe mais que nós porque surge depois da obra terminada, chega sorrateiro e faz uma leitura irônica. De fato, nossa (auto)crítica se desenvolve enquanto (e por que) estamos ocupados em escrever. Crítica imprescindível, dirá o escritor experiente. Somos obrigados a concordar, porém, é necessário que se diga: tal leitura é dolorosa e preferiríamos evitá-la.
Existe um pre-conceito (sic) entre autores, leitores, críticos e editores, que diz que bom escritor é aquele que elimina palavras em cada leitura do original. Alberto Moravia afirmava que escrevia em camadas superpostas. Em cada leitura descobria novas possibilidades. O primeiro rascunho é bastante cru, dizia, mas já tem sua estrutura final e a forma visível. Depois reescrevia tantas vezes - aplicava tantas camadas - quantas fossem necessárias. É como trabalham alguns pintores que operam com texturas, transparências, veladuras, e até agregam novos motivos ao quadro. Estudos demonstraram que o imponente cavalo pintado por Diego Velázquez no primeiro plano de "A rendição de Breda" foi acrescentado "depois" da composição "pronta". Haverá alguém capaz de imaginar esta obra sem a majestosa garupa desse animal?
Singular também é a memória que se guarda do texto "final". Não é incomum que quando acreditávamos tê-lo esquecido (superado, diz a vaidade), retorne para nos mostrar suas deficiências, obrigando-nos à releitura, reescritura, poderíamos dizer.
Jorge Luís Borges contava que às vezes, ao percorrer as livrarias de Buenos Aires, soía encontrar um dos seus primeiros livros, de cuja execução já se arrependera (talvez aquele fabricado com ajuda de um dicionário de argentinismos), e se não fosse muito caro, comprava-o para queimá-lo em casa (numa cerimônia secreta, sou tentado a acrescer, como Pierre Menard seus manuscritos do Quixote num subúrbio de Nîmes). A drástica atitude de Borges ilustra um aforismo de Horacio Quiroga: "Todo escritor tem um primeiro livro para se arrepender".
(http://recantodasletras.uol.com.br/cronicas/1401586)

Jorge Lescano: http://recantodasletras.uol.com.br/autor_textos.php?id=36368

Obrigada.
Nunca um texto falou tanto para mim.
O que vem de você; estudioso, professor e escritor; é uma honra.

20 janeiro, 2009

conclusão conclusiva

comentário sobre o Caderno Introdutório dos Conselhos Escolares (Uma nova estratégia democrática da Educação Pública)

"A análise dos documentos normativos, embora traduza concepções, (...) não relata a realidade dinâmica (...)"

Pra variar, né.

18 janeiro, 2009

Pimenta no suco dos outros

precisava refletir

utilizei um espelho

tive uma ilusão idiótica

tá tarde, preciso dormir

paulada na cabeça

não se fala mais nisso

17 janeiro, 2009

Crise existencial

Vamos lá. Estabelecer metas.
Pra que serve isso aqui? Perder a timidez de escrever e para não escrever em agendas, cadernos, papéis e paredes, por que você perde os papéis e não tem uma parede que se possa chamar sua.
Pra melhorar a escrita dos seus textos, construir personagens, um dia escrever melhores cenas, um dia peças, ... ... ....
o que tenho feito? Ctrl c nos meus textos, Ctrl v aqui.
Grande merda. Vá se catar menina.

12 janeiro, 2009

Mots


...e fiquei parada olhando aquele rosto por muito tempo, como um tipo de penitência por ter sentido tanto asco
Era como se me tragasse a sensação de bem estar pelo dia ensolarado cheio de bicicletas, crianças, patins, mulheres caminhando... Aí ele disse que ia me ligar... Mas eles não comem cenoura... Do 42 para o 40 em um mês... As pessoas falam demais, querida...
Sentia as palavras e as presenças passando por tras, pelo lado e pela frente. Sem ver nem olhar.
Nada além daquele rosto podia ser mais interessante e obscuro quanto eu mesma, ali parada esperando sentir-me perdoada. Tentei qualquer palavra que saísse de minha boca, para me lembrar que eu era viva. Neologismos, arcaísmos e metáforas geniais que construíssem alguma parede de pedra entre aquele rosto e o meus olhos. E por pensar isso foi minha culpa que cresceu ao invés da parede.
Crianças, patins e mulheres caminhando... Desculpa, hoje eu nem posso... É azul marinho, lindo...Era como se ele me tragasse tal qual uma aguardente. E descendo pela sua garganta, eu não sabia em que mais instalar meus olhos.
Levaria bom tempo pra eu descobrir que saindo dali era ele que havia me perdoado, ou desistido de minha alma má...