26 julho, 2009

- ...

mudo da descrição e continuo sem descrever nada. Mudo os verbos e esqueço que vírgula não é pasto em fazenda. Tudo pára antes da hora e tá errado, eu sei. Tá errado. Não sei pra quê uso tantos pontos. Parece que penso em estanque. Erro, volto e erro outra vez, só que diferente. Começo uma nova frase sem sentir nada, e esperando falar algo. Mas conforme passa eu vejo que é impossível descrever sem o mínimo de sentimento, doação e abertura. Não tem como fugir do lugar comum quando se usa uma palavra depois da outra, intercalando as bonitas e as feias e separando-as com as vírgulas e os pontos. É permitido que seja podre ou que seja belo, mas acima disso é preciso que seja um parto, que saia das entranhas e que, como um bebê, não tenha medo do mundo ao qual veio. É preciso ter essa tal coragem inocente que tem os filhos da gente. Que nós mesmo tivemos por também termos sido. Nós éramos muito mais corajosos naquele tempo, quando éramos inocentes. E as palavras, juntas, são assim: corajosas quando inocentes. . Eu fiquei assim ultimamente. Esquecida do que me tinha trazido até aqui. Fui editando, editando e esquecendo qual era meu papel: o de ser livre. e não deixar que nenhum travessão me pusesse ponto final.

telégrafo

nega,
aqui também tá difícil. Não é só você que molha o travesseiro a noite. Não me esqueça, eu não te esqueço.

nega,
eu volto, juro que volto. faço de tudo. Quito minhas dívidas, gasto todo meu salário. Vivo pra ser seu. vivo pra ser minha.

nega,
saudade de cheirar seu cheiro. não se perca nesse mundo fedorento e sem amor. eles não sabem o que é fazer amor com você.

nega,
não fala assim comigo. Você sabe que sou só seu. Seu e só. Tô sozinho aqui, mas não vou perder o juízo. Nenhuma tem seus cabelos.

nega,
não faça assim comigo. você sabe que eu não presto mas sabe que eu te presto.

nega,
já te disse pra não ter crise. Pretinha, eu volto já. Você nem vai sentir o tempo passar e eu já tô aí. Aguenta que eu também aguento.

nega,
Hoje a gente faz tempos juntos. Quero mais. Quero o hoje mais do que ontem. E olha que nosso ontem foi o melhor que qualquer romance podia querer.

nega,
Hoje tá frio aqui. Dormir com seu cobertor e sua foto não valem nada pra quem já teve seu corpo do lado pra esquentar.

nega,
o frio daí é o frio daqui. Não sou eu o frio, como você pensa. Eu te quero, não esqueça

nega,
Mas falta tão pouco.

nega,
eu sei. Mas esse que parece ser muito, nem é tanto pra tanto desejo. O meu desejo. Tá chegando.

nega,
Tá chegando sim. Parei o trabalho. Menina minha, espera. Não me dê trabalho, não me desame.

nega,
Eu sei!. Quer saber de uma coisa, quase fui praí hoje. Tá difícil aguentar.

nega,
eu sei. Vou aguentar. Tá difícil nega. Fala pra eu ir, eu vou. Fala.

nega,
Você tem recebido meus recados?

nega,
nega...

nega,
me fala...

nega,

o que se faz

você chegou outra vez. pela segunda. de novo.
eu olhei, nada disse. tentei um gesto. tímido.
te chamei pra entrar. ofereci café. não? uma dose?
você sentou no meu sofá. ligou a tv. eu fiquei a te assistir.
outra vez! mais uma. as pessoas não mudam.
fiz o almoço. te chamei pra mesa. esqueci o sal.
você sempre tão doce. disse nada. mastigou e sorriu.
ah. que cabeça essa minha. bebe algo? suco? chá!
limpou os lábios enquanto eu lambia os meus. olhava os seus.
estava bom? bom. sempre bom. ah. as coisas não mudam.
pode ser que eu saia a tarde. tudo bem.
mentira. pra ver se você queria ou não
eu não soube entender sua cara. então, fiquei.
cara de lindo. ah. virando os olhos e piscando enquanto fala.
então eu fico. até a noite. janta aqui? ah, não sei... tímido!
ah... fica! ficou. o que você faz se não ceder a mim?
então eu faço tudo. com sal. açúcar e afeto. e chico no rádio.
faço a cama pra dois. só um travesseiro.
eu não esqueço. não te esqueço. tomo banho e vou pra cama fresca.
vou fresca. vou limpa.
não levo minhas marcas. aquelas. as suas. é pra ser do novo.
o que sou eu se não sua?

24 julho, 2009

as sete eu aos sete dias

são sete moças
todas eu cruas
divididas inteiras
desigualmente e nuas
às sete partes do corpo
sentam-se a beira do banco
à sarjeta
à rua

são comigo sete bolsos
moedas, papéis e palitos
papéis aguardam por mim,
mulheres e sete crianças guardam
me guardam
e outros papéis me gritam aflitos

são olhadas as sete moças
soam olhares e buzinas e alarmes
setessentas sem encantos
vidas moças tímidas vazias
que se espremem aos cantos

(chacoalham)

sete vezes as sete horas
em uma calçada pobre
uma rua suja e eu
a sua sétima e única sílaba
sã em sete notas musicais
a sua oníssona

são os sete dias sem cor
os sete gozos visuais


na calçada frente ao bar
às sete bebidas contra mim
e a sete belo a favor do hálito

somos sete aos sete dias

22 julho, 2009

e isto me tirou da crise existencialista de metida a escritora e tendenciosa a babaca:

"

(...)

- Que conselhos dá aos jovens escritores?

- Bebam, fodam e fumem muitos cigarros.

- E para os velhos escritores?

- Se o cara continua vivo, não precisa dos meus conselhos.

- Qual é o impulso que faz você fazer um poema?

- Que é que faz você dar uma cagada?

- Que acha de Reagan e o desemprego?

- Eu não penso em Reagan ou no desemprego. Tudo isso me enche o saco. Como vôos espaciais e o campeonato de basebol.

- Quais são suas preocupações, então?

- As mulheres modernas.

- Mulheres modernas?

- Elas não sabem se vestir. Usam uns sapatos pavorosos.

(...)".

de O grande poeta (Charles Bukowski)

21 julho, 2009

sobre confortabilidade de textos

os textos do Marcelo sempre fazem a gente pensar que está em casa, de roupa velha e com o pé na mesa de centro. E este é o melhor lugar do mundo.

19 julho, 2009

tá. isso não é um texto

Sintomas: pensamento compulsivo, romântico e dado a grandes tragédias. Imaginar-se com um cigarro na mão, escrevendo folhas e mais folhas de uma história cujos começo meio e fim já foram escolhidos. Certo anseio saudosista. Intensa paixão por coisas pequenas e corriqueiras. Olhar apurado para situações do dia-a-dia.

É falta de escrever.

Faz parte do tratamento.

Prossiga.

14 julho, 2009

SOLI


Soli tinha o rosto empoeirado e um corpo que se mexia como se o chão fosse macio, era um corpo lento e dançante: Era valsa, das lentas. O carteiro não lhe deixava cartas, o açougueiro nunca atendeu a algum pedido exigente de Soli. Nem os mendigos lhe pediam esmolas. Ela não tinha telhado, mas nem ao menos sabe disto porque não olha pra cima; ela não tem casa, nem família, nem beleza. Falar nela é tão singular que me dá vontade de fechar o quarto e deitar na cama escura.
Alguém cha...
Soli estava sempre sozinha mas, ambiguamente, acompanhava todos os que estavam como ela. Ensaiava um sorriso aos amigos... não, companheiros! Amigos não. Mas, enfim, ensaiava um sorriso à eles com muito custo. Gostava deles de verdade mas só sabia demonstrar com sorriso - elemento famoso dos mortais. Sabia que o sorriso finge simpatia, porém era necessária.
Alguém cha...
Só não olhou para trás porque estava tão lenta que seria preciso mais para atenta-la. A lentidão precisa de grandes acontecimentos para que seja interrompida, e a de Soli não era diferente. Falar nela me causa preguiça de falar. Escrever sobre ela me convence que os dedos são independentes uns dos outros, - ao menos eles acreditam ser - e é esse o quase mistério da escrita.
Não pense, meus caros, que Soli era triste, já que quem vive às condições dela acredita que sim. Poucos vêem o leve sorriso que Soli insistentemente ensaia porque ninguém gosta de ensaios, mesmo sendo o grande momento em que o humano demonstra mais fielmente suas limitações e habilidades. O ensaio é a tentativa despretenciosa que não temos maturidade pra entender.
Alguém cha...
Voltando à descrição chego a um pedido de desculpa pela desordem do texto. Soli era angulosa: ossos largos que pouca pele cobria. Dava ideia de que antes Soli era um esqueleto grande e forte e usou um pedaço de pele pra se vestir, ficando daquele jeito mesmo, como quem veste uma roupa apertada. Além de tudo sobrava onde não devia: suas bochechas caíam pelo maxilar, pele muito fina caindo, derramando tristemente no rosto, a única coisa que derramava pelo rosto dela.
Alguém cha...
Tudo "quase". Soli era muito atenciosa mas muito egocêntrica, sabe que ela ouvia tudo que se passava? Mas não se incomodava porque estava preocupada com seus anseios, sonhos e defeitos, e que a cada meia noite não saberia se aguentaria até as próximas seis da manhã.
Alguém cha...
Eu tinha tanto a dizer. Terminaria com um poema. Pensei até em um par de rimas bonitas. Mas a Soli vem até mim e eu acho por bem fechar a cortina e fazer silêncio ao mundo. É só assim que ela ouve seu nome sendo chamado com veemência. Um ponto de silencio no mundo. Um ponto só, meu quarto, sozinho, parado.
Alguém chamou

Foi engano.

12 julho, 2009

à Clarice Lispector, Virginia Woolf e Hilda Hilst

Um poema quase prosa cheio de sensibilidade. Uma sensibilidade obscena e incompleta, e por isso é pura cena real. Vida real reflexiva. Puro lance de cores e sensações que acontecem num cenário obscuro ao público, mas simples ao dono. Emoçoes concomitantes ao desenvolvimento de uma racionalidade temperamental, que cause uma certa violação degradante e excitante da carne dos olhos quando é lida.
É isso que quero. Uma prosa carnal regada de poema espiritual.


ps. É tão bom ter nascido mulher

11 julho, 2009

silêncio

eu quero o labirinto do silêncio. ele é a única verdadeira medida do espaço. ele é o único que transcende a mentira da distância.

10 julho, 2009

hai cai ?

a menina toca o rio
sente nos dedos
o que a flor sente ao frio

ex-maile

Feliz, felizmente assim
Seria bonito
seria poético
não fosse só
não fosse patético

09 julho, 2009

olhe a lua

Tem lua no céu
a
lu
a
olha
a
lu
a.
olha!
ela tá lá e você é só um mortal : v a d i o!
ha ha ha
o clima tá rindo de você, não vê?! olha so
a
lu
a
olha lá! sua besta de são jorge: tentando ver
a
lu
a.
olha. você não tem futuro. esqueça. desapareça.
seu mortal: v a d i o.
até o vento veio pra te despentear. ha ha ha. seu mortal. olha
a
lu
a.
olha lá. e ao voltar para o espelho. aquele que é um em um milhão.
aquele que se faz uno por si só - um caco de espelho é um espelho- ele
vai rir de você também, mesmo que o vento não tire a sustentação da imagem.
seu vadio
olha
a
lu
a

e junta

A gente meio que sempre assim: meio separado
Eu de roxo, você de amarelo
estranho, mas quando eu era criança achava que combinava
Aí você vem do lado esquerdo
eu do lado direito
o destino, baby, é a gente se encontrar
que clichê não? você não contava com minha astúcia.
Olha só. você é meu caso. Eu sou seu caso.
sem a gente, nenhum dos dois é real.
a gente esquenta nossa vida. Forno microondas biótico. biológico. foda-se
vem pra cama amore. tá frio
para todos os meus amores e ex amores


Foi tudo verdade.

francamente. isso não se faz

Erros, possíveis. Desculpas.
bêbada. outra vez. isso me faz pior que você? Engraçado. Meu braço "ex quebrado" dói. muito. Ex quebrado existe? Dói tanto. Deve existir.
E isso não me faz menor que vocês. Seus frescos.
Se eu faço o que eu faço. Tudo o que faço. Não julgue. Eu posso ter sua cura.
Apesar de não ter a cura para meu ex braço quebrado.
Dói

08 julho, 2009

na cozinha (2)

(texto refeito. com defeito)
ouça



Algo enche de você os cantos. Os meus e os do quarto onde te esperava. Alguma coisa faz você se expandir até o corredor, mas não tem. Então eu espero sem olhar pra lá pra não saber que falta algo.
Alguma coisa faltou antes ainda dos dias e noites na cozinha. mas faltou de corpo presente. o corpo que saia pelo corredor.
Eu ficava ali todos os momentos: dias e noites. Se é que assim se divide uma vida toda. Se assim é que se dividem os momentos de euforia e depressão.
Ficava a ouvir o barulho do relógio: tic tac. tic tac. tic tac.
quando você aparecia. tic... ... ... tic... tac...
Neste descompasso, para tentar que sua passagem fosse mais rápida eu aliava o barulho dos ponteiros aos seus sons. Tic, passo pé direito, tac, passo pé esquerdo, tic, arrasta a, tac, cadeira, tic, pega o jornal, tac, vira, tac, a, tic, folha.
minha música mais sofrida, mais doída, mais lamentada, e mais necessária.
Quantos mais compassos "tic tac" entre uma virada e outra de jornal, eu sabia o que você lia. Menos tic tacs significava caderno de esportes. Mais tic tacs, caderno de política. Quando a música era lenta eu imaginava seu semblante calmo. Ao contrário, algo teria dado errado no seu dia.
na sua falta o compasso do relógio prossegue o tormento. Eu não sei fazer música, ela é sua. Então você saía. passava pelo corredor. eu deitava na cama com os olhos fechados. Meus olhos tinham medo de você e sempre se fechavam quando você passava pelo corredor. à minha porta.
Quis chamar sua atenção e então acendi uma vela no quarto. Pela interrupção da música acredito que você tenha visto o brilho da vela, incomum, na parede do corredor, à frente do meu quarto. Era o momento. Tornaria a tocar com você a música compassada pelo relógio.
Quando ouvi o barulho do jornal se fechar, apaguei a vela. deitei.
Dei conta que participei da sua música.
Seus passos. foi incontrolável meus olhos se fecharem.
Você parou frente à porta. no corredor.
Tic. Tac. Tic. Tac.
Tic.
Tac.
Tic.
Tac.
Tic.
Tac.
Tic.
Viu que eu dormia e foi embora.
Malditos olhos humildes, rebaixados à sua presença. Malditos.
Abro-os.
Tic. Tac.
Escorre uma lágrima sem som.
Tic. Tac.
Nossa música acabou muda, com o maestro e seus braços no ar. Escorrendo. Molhando a partitura e o travesseiro.
Tic. Tac.
Tic.
Tac.
Depois disso fiquei na cozinha. Ensaiando sons. Feios. feitos de falta.
O corredor continuava vazio.
prosseguia sem som
Foi ruim, mas depois que eu aprendi a conviver com a cozinha o corredor não assusta tanto.
Eu vi quando você deu as caras no quarto, mas eu não quis tirar o encanto. no quarto não é lugar de se estar. vir pra quê? música mal ensaiada, improvisada. imprevista.
Vai pra sala que eu te dou um vinho e a gente dança um tango. A gente flerta, depois cada um volta pro seu cômodo. Eu não me incomodo. Mas essa sua mania de levar as coisas a sério...Você pode encher os cantos, mas o centro não. você não é tanto sem minha paixão ignorante. Você tá no canto e o centro é meu. Ah o centro. o centro sou eu no centro na cozinha olhando o corredor.

ao que foi longo ou tarde que já era longe

Cara, você sabe o que é sentir uma ansiedade enorme só por saber que amanhã talvez seja o dia em que você aparecerá do nada, sem nada ter sido marcado, e sorrindo vai me chamar pra uma cerveja. Não. Você não sabe. Você nunca sabe o que se passa por dentro dos meus olhos impassíveis. Você não sabe que por dentro de toda essa dureza se esconde o ser humano mais passional que você já pôde conhecer. Você não sabe. E é melhor que continue assim, pra eu acreditar que está tudo sob meu controle.
Mas não está.
Eu subo pelas paredes sim, por incrível que pareça, quando você ri. Love me two times baby... Eu me orgulho de ter te evitado, porque sou egoísta e te quero pra mim como o perfeito intocável. É a mania do ser humano de sofrer: o sofrimento pelo aumento do prazer. Eu prefiro não te tocar pra que você continue com o posto de "a única pessoa por quem eu me apaixonaria, se eu quisesse". E eu não quis. Ou quis, mas não me avisei para manter o charme.
Não aquele charme que você disse ter visto no meu olhar perdido. Você me ofereceu uma cerveja pelos meus pensamentos, lembra? Filho da puta, desgraçado e maravilhoso. Eu pensava em como a vida pode ser tão vadia por me trazer algo tão delicioso, imprevisível e improvável.
Foi aí que eu me convenci de minha passionalidade.
Mas era tarde.
Era tarde quando você bateu em minha porta com uma sacola nas mãos e olhar de "já é tarde?". Mas nunca é quando se espera tanto. Eu não soube o que fazer. Então tudo foi normal: as deliciosas conversas teóricas infinitas, você sentado de frente pra mim apontando coisas no ar enquanto eu olhava sua boca que se mexia. E eu sentia quando você fazia o mesmo e seu olhar rodopiava escorregadio pelo meu rosto e meus gestos.
Certas vezes eu me senti uma sombra do que você falava - minha cabeça vagando devagar entre suas vírgulas. Mas quando abro a boca não é para te impressionar. Eu me orgulho da minha inteligência quando estou com você. Eu me orgulho da minha incapacidade de dar um passo para perto de você. Eu me orgulho de me sentir tão virgem. Mas eu não sou.
Não tento ser.
Seu filho de uma grande puta.
Foda-se você e seu amor pelas coisas. Foda-se se você mostra o dedo do meio pra mim com o sorriso mais lindo que já vi. Foda-se sua leveza ao andar, ao falar e ao fazer: parece que você se movimenta com o vento. Foda-se! Você nem é grande coisa. Você está sempre no "lugar" comum. Um objeto comum.
Como os momentos podem ser tão especiais?
Eu contribuo com isso? Diz que sim, por favor. Satisfaça meu hedonismo que tanto me afasta dessas paixões ridículas. Por isso eu optei por dormir sozinha mesmo estando ao seu lado. Eu não quero estragar a gente.
Entende.
Me entende.
E depois me explica.
Isso tudo é tão "coisa" que me tira o humor. Me tira o romantismo. Porque o que mais me tira o romantismo é a paixão, que é um trago num conhaque: quente, forte e ardido. Com direito a careta e uma raiva contida. Um estresse pessoal. Um mergulho no interior do campo mais indiretamente pessoal. Eu contra mim. Eu contra você. E você contra mim. E nós dois contra o tempo e uma semana que não passa. Quanta guerra por pouca coisa: eu vou dormir sozinha sim. Desculpe, isso é o mais visceral que eu consigo ser.
É divertido.
Isso me diverte.
Divirta-se também.
Desgraçado. Seu rosto fica bonito de manhã. E minhas mãos diziam para meus olhos: Love me two times,One for tomorrow, One just for today. Grandissíssimo maravilhoso. Vai pro inferno você com sua inteligência. Vá a merda você com sua voz deleitosa. Foda-se seu poema. Dane-se sua sensibilidade e sua macheza que juntos me excitam. Vá embora e não volte com aquele olhar de quem esqueceu algo.
A cachaça está na geladeira.
Como já aconteceu um milhão de vezes.
O insuficiente para ensinar e aprender alguma coisa, quando se trata de mim.
O insuficiente pra me fazer compreender o que se passou e o que se passará, por se tratar de você.
Vai doer. Love me two times. Im goin away. Ao menos seja doce e lento.

05 julho, 2009

nademos ao nada

imagine uma piscina de bolinhas de sabão e você, áspero como um humano, todo cauteloso ao mergulhar nela.

puro frisson de prazer.

A.

Pergunte a A. se ela alguma vez se perguntou a respeito dos coelhos. Ela não. Ela só "viu" e sentiu. Ela soube sentir o que todos julgam tão errado. Ora, ora, cavalheiros deste tribunal. Tantas palavras eloquentes que ecoam em vossas cabeças nem ao menos vibram os tímpanos de A.
Ela sente muito por vocês e este sentimento é verdadeiro. Apesar de vocês julgarem-na, apontarem-na e falarem a respeito dela certas coisas que homens de bem não devem falar. Ela sobressai-se entre suas cabeças porque suas cabeças são pisáveis para que se obtenha este fim. É por bem que vocês as abram, mas vocês ainda não têm maturidade para tanto, excelentíssimos senhores deste tribunal.

Sobre a incompletabilidade

Tem tanto rascunho.
rascunho é texto?
ou um quase texto?
será que existe quase texto?
ou é quase um quase buraco, uma quase grávida. Texto é ou não é?
Tou desacreditando da incompletabilidade de textos. Eles já são o que deveriam ser na cabeça de quem escreve.
Se, aparentemente, não terminaram era porque queriam dizer: não precisa dizer mais nada. pensa aí.
Tanto para quem lê quanto para quem escreve.
Um quase texto é só uma vontade que esqueceu de almoçar e dormir.

02 julho, 2009

Os mil martírios de Sebastião (2)

S. S. dizia só as siglas do nome porque achava o próprio, o nome, muito intrínseco e especial para ser conhecido por qualquer um. Se soubesse seu nome saberia demais sobre ele - o que o jogaria ao caminho contrário à salvação.
Levava uma mala e seu próprio corpo. O mais pesado era o corpo. O mais sujo e mal cheiroso. Era o corpo. A mala era a sua redenção, sua entrega ao hedonismo.

Escrevia cartas sem saber a quem. Escrevia poemas sem saber de quem: dele não era. Mas era por suas mão que se fazia, o que dava a ele um certo posicionamento divino, espiritual. Cantava músicas infantis e atraía o olhar das crianças na rua - e ao atrair-lhes o olhar era que ocorria a repulsa delas por ele.
Nunca ficava o dia todo em casa. Gostava dos dias de sol e do parquinho ao lado da igreja da cidade. Todas as manhãs acordava e tomava leite com água e café, pra economizar. Pão com pão, como dizia seu pai aos filhos quando protestavam pela falta de manteiga: Pão com pão, tudo que um macho precisa.

Limpava a mesinha da cozinha, arrumava o jarro de água e saía limpando os dentes com a língua.
Ajoelhava no oratório da igrejinha e ao olhar para os olhos de Maria ficava com pena da cobra debaixo dos pés dela. A personificação feminina: olhos amorosos e nenhuma dor nos pés. Nem importava se o que seu pé pisasse era o capeta.
O diabo não trata com as mulheres porque elas vendem a alma e não entregam. Ou entregam mas tomam de volta depois. Ele ama as mulheres porque sabe que a dissimulação delas é culpa do coração mole delas. Elas sempre têm que voltar atrás porque o amor é amigo da inocência e ambas levam a pessoa a seguir pro lado que não deve. Ou deve, mas sem ninguém precisar saber.

Ele olha para as velas acesas no altar e duvida que aquilo ilumina a vida de alguém. Nem dos pecadores nem dos santos. Malemá da igreja, que tem dinheiro para pagar a conta de luz. Talvez fosse pra fazer os devotos associarem a pobreza deles, que os fazia precisar de velas todas as noites, à necessidade de rezar mais, mais, mais e mais. E salvos, não precisariam de luz. Nem do dinheiro pra pagar a luz. E ajudariam no dízimo. O dízimo para pagar a conta de luz da igreja, que não precisa de luz porque tem velas. O dinheiro sobra e... dá pra comprar castiçais de ouro. Mas ele não os rouba porque é pecado.

Com mais paz no coração saía para a praça tomar sorvete. Paga sorvetes para as crianças que tem coragem de se aproximar para pedir. Fica até as dez e meia, que é o momento que a manhã fica mais linda. Também é bom matar neste horário porque o sangue fica bonito.
Ao voltar para a casa trazia flores para o jarro da cozinha.