(texto refeito. com defeito)
ouça
Algo enche de você os cantos. Os meus e os do quarto onde te esperava. Alguma coisa faz você se expandir até o corredor, mas não tem. Então eu espero sem olhar pra lá pra não saber que falta algo.
Alguma coisa faltou antes ainda dos dias e noites na cozinha. mas faltou de corpo presente. o corpo que saia pelo corredor.
Eu ficava ali todos os momentos: dias e noites. Se é que assim se divide uma vida toda. Se assim é que se dividem os momentos de euforia e depressão.
Ficava a ouvir o barulho do relógio: tic tac. tic tac. tic tac.
quando você aparecia. tic... ... ... tic... tac...
Neste descompasso, para tentar que sua passagem fosse mais rápida eu aliava o barulho dos ponteiros aos seus sons. Tic, passo pé direito, tac, passo pé esquerdo, tic, arrasta a, tac, cadeira, tic, pega o jornal, tac, vira, tac, a, tic, folha.
minha música mais sofrida, mais doída, mais lamentada, e mais necessária.
Quantos mais compassos "tic tac" entre uma virada e outra de jornal, eu sabia o que você lia. Menos tic tacs significava caderno de esportes. Mais tic tacs, caderno de política. Quando a música era lenta eu imaginava seu semblante calmo. Ao contrário, algo teria dado errado no seu dia.
na sua falta o compasso do relógio prossegue o tormento. Eu não sei fazer música, ela é sua. Então você saía. passava pelo corredor. eu deitava na cama com os olhos fechados. Meus olhos tinham medo de você e sempre se fechavam quando você passava pelo corredor. à minha porta.
Quis chamar sua atenção e então acendi uma vela no quarto. Pela interrupção da música acredito que você tenha visto o brilho da vela, incomum, na parede do corredor, à frente do meu quarto. Era o momento. Tornaria a tocar com você a música compassada pelo relógio.
Quando ouvi o barulho do jornal se fechar, apaguei a vela. deitei.
Dei conta que participei da sua música.
Seus passos. foi incontrolável meus olhos se fecharem.
Você parou frente à porta. no corredor.
Tic. Tac. Tic. Tac.
Tic.
Tac.
Tic.
Tac.
Tic.
Tac.
Tic.
Viu que eu dormia e foi embora.
Malditos olhos humildes, rebaixados à sua presença. Malditos.
Abro-os.
Tic. Tac.
Escorre uma lágrima sem som.
Tic. Tac.
Nossa música acabou muda, com o maestro e seus braços no ar. Escorrendo. Molhando a partitura e o travesseiro.
Tic. Tac.
Tic.
Tac.
Depois disso fiquei na cozinha. Ensaiando sons. Feios. feitos de falta.
O corredor continuava vazio.
prosseguia sem som
Foi ruim, mas depois que eu aprendi a conviver com a cozinha o corredor não assusta tanto.
Eu vi quando você deu as caras no quarto, mas eu não quis tirar o encanto. no quarto não é lugar de se estar. vir pra quê? música mal ensaiada, improvisada. imprevista.
Vai pra sala que eu te dou um vinho e a gente dança um tango. A gente flerta, depois cada um volta pro seu cômodo. Eu não me incomodo. Mas essa sua mania de levar as coisas a sério...Você pode encher os cantos, mas o centro não. você não é tanto sem minha paixão ignorante. Você tá no canto e o centro é meu. Ah o centro. o centro sou eu no centro na cozinha olhando o corredor.
08 julho, 2009
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2 comentários:
que bonito, que bonito
Me inspirou profundamente. Vi cada cena deste texto. LINDO!
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