14 julho, 2009

SOLI


Soli tinha o rosto empoeirado e um corpo que se mexia como se o chão fosse macio, era um corpo lento e dançante: Era valsa, das lentas. O carteiro não lhe deixava cartas, o açougueiro nunca atendeu a algum pedido exigente de Soli. Nem os mendigos lhe pediam esmolas. Ela não tinha telhado, mas nem ao menos sabe disto porque não olha pra cima; ela não tem casa, nem família, nem beleza. Falar nela é tão singular que me dá vontade de fechar o quarto e deitar na cama escura.
Alguém cha...
Soli estava sempre sozinha mas, ambiguamente, acompanhava todos os que estavam como ela. Ensaiava um sorriso aos amigos... não, companheiros! Amigos não. Mas, enfim, ensaiava um sorriso à eles com muito custo. Gostava deles de verdade mas só sabia demonstrar com sorriso - elemento famoso dos mortais. Sabia que o sorriso finge simpatia, porém era necessária.
Alguém cha...
Só não olhou para trás porque estava tão lenta que seria preciso mais para atenta-la. A lentidão precisa de grandes acontecimentos para que seja interrompida, e a de Soli não era diferente. Falar nela me causa preguiça de falar. Escrever sobre ela me convence que os dedos são independentes uns dos outros, - ao menos eles acreditam ser - e é esse o quase mistério da escrita.
Não pense, meus caros, que Soli era triste, já que quem vive às condições dela acredita que sim. Poucos vêem o leve sorriso que Soli insistentemente ensaia porque ninguém gosta de ensaios, mesmo sendo o grande momento em que o humano demonstra mais fielmente suas limitações e habilidades. O ensaio é a tentativa despretenciosa que não temos maturidade pra entender.
Alguém cha...
Voltando à descrição chego a um pedido de desculpa pela desordem do texto. Soli era angulosa: ossos largos que pouca pele cobria. Dava ideia de que antes Soli era um esqueleto grande e forte e usou um pedaço de pele pra se vestir, ficando daquele jeito mesmo, como quem veste uma roupa apertada. Além de tudo sobrava onde não devia: suas bochechas caíam pelo maxilar, pele muito fina caindo, derramando tristemente no rosto, a única coisa que derramava pelo rosto dela.
Alguém cha...
Tudo "quase". Soli era muito atenciosa mas muito egocêntrica, sabe que ela ouvia tudo que se passava? Mas não se incomodava porque estava preocupada com seus anseios, sonhos e defeitos, e que a cada meia noite não saberia se aguentaria até as próximas seis da manhã.
Alguém cha...
Eu tinha tanto a dizer. Terminaria com um poema. Pensei até em um par de rimas bonitas. Mas a Soli vem até mim e eu acho por bem fechar a cortina e fazer silêncio ao mundo. É só assim que ela ouve seu nome sendo chamado com veemência. Um ponto de silencio no mundo. Um ponto só, meu quarto, sozinho, parado.
Alguém chamou

Foi engano.

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