S. S. dizia só as siglas do nome porque achava o próprio, o nome, muito intrínseco e especial para ser conhecido por qualquer um. Se soubesse seu nome saberia demais sobre ele - o que o jogaria ao caminho contrário à salvação.
Levava uma mala e seu próprio corpo. O mais pesado era o corpo. O mais sujo e mal cheiroso. Era o corpo. A mala era a sua redenção, sua entrega ao hedonismo.
Escrevia cartas sem saber a quem. Escrevia poemas sem saber de quem: dele não era. Mas era por suas mão que se fazia, o que dava a ele um certo posicionamento divino, espiritual. Cantava músicas infantis e atraía o olhar das crianças na rua - e ao atrair-lhes o olhar era que ocorria a repulsa delas por ele.
Nunca ficava o dia todo em casa. Gostava dos dias de sol e do parquinho ao lado da igreja da cidade. Todas as manhãs acordava e tomava leite com água e café, pra economizar. Pão com pão, como dizia seu pai aos filhos quando protestavam pela falta de manteiga: Pão com pão, tudo que um macho precisa.
Limpava a mesinha da cozinha, arrumava o jarro de água e saía limpando os dentes com a língua.
Ajoelhava no oratório da igrejinha e ao olhar para os olhos de Maria ficava com pena da cobra debaixo dos pés dela. A personificação feminina: olhos amorosos e nenhuma dor nos pés. Nem importava se o que seu pé pisasse era o capeta.
O diabo não trata com as mulheres porque elas vendem a alma e não entregam. Ou entregam mas tomam de volta depois. Ele ama as mulheres porque sabe que a dissimulação delas é culpa do coração mole delas. Elas sempre têm que voltar atrás porque o amor é amigo da inocência e ambas levam a pessoa a seguir pro lado que não deve. Ou deve, mas sem ninguém precisar saber.
Ele olha para as velas acesas no altar e duvida que aquilo ilumina a vida de alguém. Nem dos pecadores nem dos santos. Malemá da igreja, que tem dinheiro para pagar a conta de luz. Talvez fosse pra fazer os devotos associarem a pobreza deles, que os fazia precisar de velas todas as noites, à necessidade de rezar mais, mais, mais e mais. E salvos, não precisariam de luz. Nem do dinheiro pra pagar a luz. E ajudariam no dízimo. O dízimo para pagar a conta de luz da igreja, que não precisa de luz porque tem velas. O dinheiro sobra e... dá pra comprar castiçais de ouro. Mas ele não os rouba porque é pecado.
Com mais paz no coração saía para a praça tomar sorvete. Paga sorvetes para as crianças que tem coragem de se aproximar para pedir. Fica até as dez e meia, que é o momento que a manhã fica mais linda. Também é bom matar neste horário porque o sangue fica bonito.
Ao voltar para a casa trazia flores para o jarro da cozinha.
02 julho, 2009
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