2ª construção da personagem do "Texto pra Dois"de Will Aziz
Ontem você chegou do trabalho quieto, entrou e me deu um leve beijo na boca.
Beijo seco na boca. Beijo seco na boca fria.
Foi para o banho e não cantou sozinho, não falou sobre seu dia nem perguntou sobre o meu. Não ficou nu na minha frente nem fez brincadeiras.
Sentou para comer e o fez em silêncio. Na casa só o barulho do telejornal que gritava horrores do mundo pra dentro do nosso aconchego. Nosso antigo aconchego. Nosso antigo "nosso".
Enquanto você comia, pela periferia do que eu via, já que o centro era sempre a tv, notei que algumas vezes você me olhou e até pareceu por algum momento querer dizer algo. Fez mais barulho com os talheres, como se isso me chamasse atenção para o fato de você estar lá e parecendo querer minha presença na mesa. Foquei mais ainda o olhar na tv, porque esperava um pouco mais de esforço da sua parte, uma palavra, um chamado carinhoso ou indecente... fiz-me mais compenetrada esperando que ao menos você me xingasse por não te dar atenção. Continuou em silêncio até terminar de comer.
Senti raiva de você, mas quando te vi ir para o quarto olhando para mim (apesar de um olhar sem expressões ou intenções) alguma esperança me fez desligar a tv e te acompanhar.
Deitei esboçando sons nos objetos, com medo que o silêncio dali denunciasse minha pulsação. Desejo.
Tentei me aconchegar nos seus braços, você deixou. Te acariciei e você me deu um beijo na cabeça. Quando passei a minha perna pelas suas e tentei um beijo em seu pescoço, você fechou os olhos levemente. Tossiu. Virou-se de lado.
Eu dormi quieta e longe de você, com medo que nossa estaticidade denunciasse que eu tremia.
Raiva.
20 novembro, 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário