04 abril, 2012

Para Henry Miller e umas tais Anas Cabreuvana


Os malditos são melhores, e recolocava o cigarro na boca com as mãos pesadas de tantos anéis. Ela dizia que os anéis ajudavam a dar um ar bonito pras mãos. E que todo mundo devia ter mãos bonitas. E, pra ela, de fato tinham, pois tinha um gosto tão duvidoso quanto seu humor. Era feia, ou quase feia. Era quase feia e tinha os gestos mais bonitos do mundo. Então era a mulher mais bonita do mundo. Ela dizia que a roupa ajudava. O humor duvidoso também. A conheci quando chegou com um bilhete escrito em papel de pão dizendo que eu era o mais charmoso e sujo que ela tinha visto até então, em poemas simples e toscamente rimados (afinal, toda e qualquer rima soa estranho). Se a tivesse notado antes a teria visto olhando pra mim sorrindo e escrevendo o bilhete. Teria visto um pouco dela entre a nuvem de fumaça de cigarro. Ela dizia que pra escrever qualquer merda que fosse precisava de uma nuvem de fumaça porque escrever era como tirar o gênio da lâmpada e na cabeça dela o gênio sempre saía envolto de fumaça. Depois de uns meses após o bilhete lembro de acordar pelado no meio da noite e vê-la também pelada escrevendo alguma coisa com um lápis quase sem ponta. Entre um surto e outro de escrita nervosa e apertada do lápis contra o papel ela tragava e olhava pro infinito. Era pra ter novas ideias e novas ideias que gerassem o próximo surto de escrita. Às vezes parava e ficava tremendo a perna direita como se fosse uma maquita contra o chão. Ela sempre me acordava quando, de madrugada, dava de escrever e fumar, tremendo a perna como maquita no chão e fazendo um barulho de articulação do joelho de mulher que já caiu muito na vida.

Mas não era dela que eu ia falar, ao menos não com foco.  Era dos malditos. Eu estava na fase Kafka quando caí nos malditos. Tinha também acabado de ler a bíblia e entrar na depressão após o apocalipse. Toda pessoa que lê o apocalipse vive um logo depois. Com todas as bestas possíveis. Mais de sete, dezessete bestas rondando as cabeças, afastadas somente num bar com alguma dama não tão dama ao lado. Mas dama. Nunca achei que não fossem. Pois sempre que eu me envolvia em uma briga ou vomitava litros de cerveja no chão elas se comportavam como damas ao me ajudar. Elas é que têm forças pra essas coisas. As outras damas nessas situações agiriam como meninas e teriam nojo. As minhas damas subiam no salto e me carregavam até minha casa, sem enroscar pedaços de mim em suas bijuterias baratas. Algumas até davam banho e de dama assumiam papel de mãe, como as damas sempre fazem quando sentem o instinto.  E mestras, quando essas mesmas damas se deparam com um burro como eu. Eu é que no fim me sentia enroscado nas bijuterias baratas e magnéticas delas. Uma me trouxe o Jimi Hendrix, outra a meditação e o tal tântrico que até hoje não entendo, outra o Henry Miller. E, como sempre pra quem acaba de ler o apocalipse, o palco estava com todo o seu cenário e pré-personagens prontos pra eu apocalipsar.

Apocalipsei noites e noites. Li os apocalipses dos malditos achando bonito aquela sujeira toda - e me acostumando com o vômito respingado no banheiro que eu não achava causa de morte não limpar. Quando você menos espera a maldição já é o terreno mais fértil e confortável pra pobres vagabundos como nós. A maldição vem e pica sua canela e coça, coça. Irrita, depois vira coceira gostosa até gangrenar a perna toda. E você ficar assim um amputado filho da puta sem nenhuma bosta no cu pra cagar.

Eu estava no tempo “sem bosta no cu pra cagar” quando tive uma revelação... 40 dias de deserto com um baita capeta que me roubava os cigarros. Não achava muito graça naquilo tudo, e como eu gostava de achar graça nas coisas, voltei pra beira do Nilo e sentei e chorei. Chorei pelo humor perdido. Era de chorar preferir os malditos, era de chorar sentir saudade das damas nem tão damas assim, era de chorar a força daquelas damas acima da fraqueza que erroneamente lhe apontava os outros” Pra quem é fraco como eu, a graça de ser maldito era quase nenhuma perto de ler e ouvir um maldito. Ou falar de um maldito. Eu cansei por um tempo de viver maldição porque me sentia meio idiota vivendo perigosamente sem coragem e morrer cedo pra ser imortalizado por um bando de jovens que me ouviriam ou leriam em suas camas confortáveis, sem nenhum naco de nuvem de fumaça em volta. Eu não me via mais brilhante como o gênio da lâmpada. Eu não achava tão bonito viver uma vida em um mundo e ser julgado pelos outros que parecem que vivem em outro mundo regido não pela lei do universo, mas pela lei da imagem da moral. O monstro do Nilo me contou que essa coisa de maldito é coisa pra gente forte. Coisa pra damas que não são tão damas assim e tem poder de mutação de puta pra dama pra dona e pra mãe. Pra quem não teria nojo ou sentiria qualquer ofensa em ser citada pelas bocas que não merecem cita-las. Eu saí da maldição rezando como um coroinha.  E tocou as Bodas de Fígaro e eu fui embora me sentindo mais eu. Idiota. Ao menos era mais confortável. Eu não tinha culhão pra dar a maçã do conhecimento pra Adão sabendo que aquilo me renderia toda a história que rendeu.

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