25 março, 2009

Sinestesia

Não se faça leso, dizia ela. Era confusa a sensação que me dava sua presença. Ela enlaçava seus dedos nos meus e eu sentia que ela estava inteira ali. As vezes enlaçava minha cintura com os braços e era, para mim, como se eu tomasse uma intimidade que não merecia dela. Quando meu pudor me afastava dela, sabia que ela sorria. Quando se aprecia alguém não é nada perplexo ouvir seu sorriso. O som dos lábios escorregando pelos dentes é inconfundivelmente prazeroso.
Ela andava muito altiva. Passos firmes e longos que certas vezes me punha em apuros na tentativa de acompanhar. Ela era toda ativa. Sua voz desenhava sua imagem. Tom e imposição casados para persuadir qualquer humano. E a ligeira delicadeza em certas palavras: delicia, espetáculo, gostoso, sincero, simples. Nunca alguém fez as palavras com "s" serem tão deleitosas. Eu saboreava cada som quando ela pausava a velocidade e falava - imagino eu - fechando levemente os olhos. "Uma delícia", dizia lentamente delicada.
Eu gostava quando ela vestia um vestido de tecido muito liso. Quando ela o vestia era porque queria ficar o dia todo na rua, acordara mais disposta que o habitual.
Adorava seu perfume de manhã. Fresco e bem disposto fazia parceria fantástica com o som de seu sorriso. Mais tarde ele ficava mais adocicado e delicado, que algumas vezes se opunha ao seu tom irônico e quase sarcástico de certos momentos.
Quando me descrevia certas imagens, eu tinha - e tenho - por certo que muito era fruto do seu desejo de dar beleza e valor às coisas simples. "Por que algo tão belo estaria logo aqui?". Era minha tentativa de conhecer ainda mais do poder de imaginação dela. "Porque a beleza que vejo nele está no fato de estar num ambiente improprio para que o notem".
Certas vezes eu a ouvia rindo de forma contida, outras o silêncio denunciava sua angústia. Tudo que acontecia a sua volta merecia brilho. Uma pessoa distraída, falando sozinha ou observando uma foto lhe causava sensações e emoções. Raras vezes ela nada dizia quando eu perguntava onde ela havia visto arte desta vez. Ela via tudo. Ela via de verdade quando os outros só olhavam. Ela dizia que tinha aprendido comigo, com o fato de eu ser como sou.
Ela via vida nas coisas, ela aumentava o prazer das sensações. E aumentava a dor também.
Dizia que era pra não sair ilesa da vida. Dizia que era pra ter repertório de descrições e cenas para mim.
E eu gostava dela. Não porque ela era a mulher mais especial. Ninguém é. Era porque era ela e eu.

(...)

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