Ela fazia poesias e pães caseiros. Ela usava a escada pra subir no telhado e sua mãe gritava saia já daí. Ela ouvia Bach e Brahms. E ela mentia. Ela mentia diariamente, uma aqui pra remendar um fato, outra ali pra não descobrirem a primeira mentira. E uma terceira pra juntar a primeira e a segunda de forma coesa. Ela não era nem um pouco coesa, chegava a ser hermética porque tinha orgulho de si mas não conseguia se aceitar o suficiente errante e pedante. Mais difícil ainda era conviver com a decepção dos outros em relação a ela, então ela mentia. Até que um dia, e foi um dia doloroso, ela magoou profundamente e exatamente pela mentira. Ela chorou, teve pena do magoado, teve pena de si mesma e subiu no telhado pra olhar as estrelas mais uma vez. Prometeu que nunca mais mentiria, nunca mais subiria na escada pra olhar as estrelas contra a vontade da mãe e passaria a escrever sobre coisas de verdade, não mais as ilusões de castelos e príncipes que ela nunca teria enquanto construísse um feudo cujos muros eram de mentira e o Senhor era ela. Desceu as escadas, foi pra máquina de escrever e escreveu um, dois e três dias inteiros a fio. Voltou pra primeira página e leu tudo. Releu, Releu. E chorou agora mais do que da vez da mágoa da mentira. Chorou por meses a fio. A sua escrita, sua vida, sem mentira, ela era tão pura que dava vergonha de ler, de viver.
27 julho, 2010
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Um comentário:
que bonito, fiquei bobo. gozado que vc fala sobre Ela. também falei sobre Ela num textículo que escrevi há alguns dias: http://opitaqueiro.blogspot.com/2010/07/o-quanto-antes.html. me pergunto: quem é Ela? olha que isso dá pano pra manga.
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